sábado, 26 de novembro de 2011

O Capitão


Atarantada no escritório, de um lado para o outro, para recolher a informação de que precisava para a minha tarefa, dou por mim no gabinete do meu colega S. Começo a falar com ele, a fazer-lhe mil e uma perguntas, quando me apercebo de uma cara nova na secretária em frente. Continuei com o interrogatório. Voltei a olhar para a cara nova e decidi apresentar-me: "Ana do departamento de gestão de projecto". "Eu sou o A., o capitão do nosso barco". A princípio não processei a informação e lá voltei ao meu interrogatório.

De repente, como um "clic"! Espera lá... Um capitão de um navio? Enquanto a frase surgia na minha cabeça, olhei para o senhor (que se apercebeu do meu contacto visual) e repeti em voz alta: "O capitão do nosso navio?". E mais... Como se a minha língua não se conseguisse reter, sai-me em voz alta: "Nunca tinha conhecido um capitão de um navio..."


Claro que a reacção do capitão foi... Nada de especial! Cara de parvo a olhar para a engenheira da equipa de gestão do projecto, com cara de menina, de quem foi levada ao circo pela primeira vez. Um capitão de um navio... Daqueles como o Vasco da Gama precisou de ter nas suas rotas marítimas. E quem diz Vasco da Gama diz Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães, e por aí adiante!



Vivi a minha vida toda sabendo que o mar fazia parte da minha identidade como portuguesa, morei a 50 km de um porto durante 28 anos, e a minha reacção quando conheci um capitão de um navio foi... O que foi. Realmente, há qualquer coisa que não encaixa na nossa história. Que corte foi esse, que se fez entre o português e o mar? Quando foi isso? E porque foi isso? 
 Não, o nosso país não é só um jardim plantado à beira-mar. O mar não é uma fronteira para nós! Nunca o foi. Mas porque estagnámos nesse ponto? Onde estão as nossas escolas de engenharia naval? Sei que existem, mas porque se fala tão pouco delas? E onde estão os navios construídos por nós? E falo de navios a sério e não de ferrys recusados pelos Açores. E os capitães portugueses?
Nota: no dia seguinte a minha colega conta-me que temos mais três capitães na nossa equipa, entre eles "aqueles dois senhores a quem eu me fartei de pedir, na semana passada, informações".

domingo, 20 de novembro de 2011

Outros tempos

Não sei como é que muitos ainda não perceberam que o panorama por aqui, na Alemanha, também não está nada famoso e a caminhar para o medonho...
O que eu posso aconselhar aos que me pedem informação sobre trabalho na Alemanha é que tentem outros países / continentes pois as coisas pela Europa já deram o que tinham a dar... 

Ah! E é a terceira empresa alemã onde trabalho e devo dizer que a minha decepção sobre a "organização alemã" não tem sido pequena. Como diria uma senhora amiga minha, "isso foi noutros tempos!".

sábado, 5 de novembro de 2011

Carta ao Jorge

 Como é a vida na Alemanha?

Depende muito da nossa maneira de ser (se somos pessoas abertas a novas culturas), da nossa formação (se temos um diploma de uma formação que é precisa no mercado de trabalho), da nossa capacidade de falar outras línguas (se aprender alemão nos dará algum gozo), da nossa expectativa monetária (se pensamos que em 2 anos estamos a comprar o tal Mercedes), etc..

A vida de imigrante pode não ser fácil se teimarmos em não nos conformarmos que não estamos em casa, mas que é possível viver assim. Longe de casa. Haverá sempre alguma coisa que "não está bem", que não sabemos explicar o que é, e por isso, nos poderá tornar a vida menos agradável num país estrangeiro. Que fazer? Aproveitar o tempo para absorver o que a sociedade onde estamos inseridos tem de melhor. Ponto! Não vale a pena viver a pensar no que funciona mal, no que funciona melhor no nosso país.
O que me empurrou para sair do país foi a vontade de ver "mais", para além da nossa fronteira com Espanha. 

Mas se pudesse, voltava para Portugal. "Se pudesse"... Eu posso, a qualquer momento. É uma questão de escolha. Neste momento consegui o trabalho que sempre sonhei. Ganho bem, tratam-me bem, trabalho num projecto inovador, estou perto do marido e amigos (não tenho de mudar de cidade). Conseguiria isso em Portugal? Não. Compensa estar longe da família e amigos para poder ter este tipo trabalho? Para mim, por enquanto sim. 


Na verdade, hoje em dia, compra-se um bilhete para Portugal a 98€, ida e volta, directo. E é suficiente para matar as saudades, ir umas três vezes a Portugal, por ano? Para mim, não. Mesmo assim, pretendo continuar na Alemanha? Sim. Posso ter crescido a pensar que o futuro era um conjunto de certezas. Isso deu-me a segurança necessária para arriscar (se não funcionar, sempre posso voltar atrás), e principalmente, deu-me equilíbrio emocional para recuperar das rasteiras que a vida me pregou
Porém, o mundo mudou. Aliás, está em constante mudança. O que demorava décadas a mudar numa sociedade, há cem anos, hoje em dia demora uns... Dois anos. A mudança tem sido a tal velocidade que apenas aqueles que se tornam "flexíveis e adaptáveis", se safam. E não foi sempre assim? Posso ter crescido a pensar que o futuro era um conjunto de certezas. Mas hoje eu sei, que essa certeza já não existe e jamais vai voltar a existir. 

Invejo aqueles que podem usufruir da minha terra, no dia-a-dia: o cheiro do café nas ruas, o sol de Inverno, a noite negra repleta de estrelas, o cheiro da flor de laranjeira numa noite de Verão, o orvalho nos campos verdes, as ondas do mar.
Porém, cada emigrante carrega uma história. Uma experiência. Cabe a cada um deixar-se passar pela experiência e tirar as suas próprias conclusões. Pelo menos eu nunca correrei o risco de dizer "se pelo menos eu tivesse tentado ir para outro país..." :)