A 4 de Abril de 2013, recebi (eu e todos os engenheiros espalhados por esse mundo fora, inscritos) o seguinte mail da Ordem dos Engenheiros de Portugal:
" (...) Assim, a OE apresenta todo o interesse em
conhecer a sua experiência profissional, com a certeza de que a sua publicação
na Área Internacional do portal da OE será uma mais-valia para todos membros
que atualmente apresentam interesse em seguir um caminho semelhante.
Para participar nesta iniciativa poderá enviar um texto
livre que exemplifique aos restantes membros questões tais como:
- Habilitações Académicas;
- País de estabelecimento;
- Breve descrição das funções desempenhadas, assim como
das Entidades/Organizações integradas;
- Experiência quanto ao processo de recrutamento para o
estrangeiro;
- Informações úteis sobre o reconhecimento da profissão e
estabelecimento no País em que se encontra;
- Disponibilização de contactos para criação de uma rede
internacional de Engenheiros Portugueses e publicação no portal da OE;
- Disponibilização de contactos importantes na
internacionalização no País;
- Lista de vantagens e desvantagens relativas ao País em
que se encontra, bem como da forma como venceu eventuais dificuldades.
Para efeitos de ilustração, solicitamos também o envio de
algumas fotografias e/ou vídeos representativos da atividade, assim como do
País em que se encontra."
Quatro meses depois, verifico que o que eu previ na minha resposta à OE se mantém: apenas dois testemunhos.
Ver aqui.
A minha resposta à OE, a 14 de Abril de 2013:
"Exmos. Srs., Exmas. Sras.:
Venho por este meio responder ao E-mail que recebi da Ordem
dos Engenheiros, relativamente ao novo projecto que pretendem desenvolver.
Folgo em saber que existe, por parte da OE, a intenção de
ajudar os seus membros na sua integração no mercado de trabalho internacional.
De facto, só quem passa pela experiência de emigrante,
compreende o seu verdadeiro significado. Por isso aqui deixo alguns comentários
sobre o assunto:
1. Os que saíram de
Portugal para trabalharem no estrangeiro, fizeram-no por não terem outra opção
(felizmente não foi o meu caso, pois há cinco anos tive o “privilégio” de me
poder despedir para ir em busca de um sonho, o de trabalhar no estrangeiro).
Deixaram família, amigos, o seu lar, o seu ambiente, para ganharem dinheiro no
sentido de poderem continuar a cumprir com as suas responsabilidades
financeiras como renda, alimentação da família, educação dos seus filhos, etc.
Posso dizer-lhes, com toda a certeza, de que muitos (a maioria) saíram de
Portugal desiludidos com o seu país (muitos dizem mesmo que não voltarão). Na
altura, “fizeram-se à vida” sozinhos. Informaram-se, arriscaram, lutaram. Tudo
isto sozinhos. À tristeza, somou-se frustração, por ninguém ter estado “lá”
para os ajudar.
Gostaria de saber qual a receptividade dos emigrantes
portugueses por esse mundo fora, a esta proposta da OE para colaboração. Eu
tenho um palpite: receptividade quase nula. Gostaria que a OE reflectisse sobre
a seguinte questão: “Se na altura ninguém nos ajudou a encontrar emprego noutro
país, porque razão, ajudaríamos nós, agora, outros colegas que nos são
desconhecidos?”. É triste, mas este comportamento é humano.
2. Os que saíram, estando
por sua conta e risco, “queimaram muitas pestanas” em busca da informação
correcta em relação ao país para onde tinham decidido emigrar, a situação do
mercado de trabalho, como redigir um CV apropriado (bem como carta de
apresentação, certificações, etc.), como obter ajudas sociais no caso de ser
necessário, curso da língua do país, e por aí fora. Muitos meses foram gastos
neste processo. É sim, um trabalho a tempo inteiro, sentado ao computador a
maioria das vezes doze a treze horas por dia, sete dias por semana. É um longo
trabalho de casa a fazer… Poder-se-ia dizer, que todos nós, os que passaram por
esse processo, estamos aptos a escrever uma dissertação sobre “como procurar e
conseguir trabalho no país X”.
Gostaria que a OE reflectisse igualmente noutra questão:
“Porque razão, enviaria eu um documento à OE, sobre a minha aprendizagem de
quatro anos, relativa a como arranjar emprego na Alemanha?”. Eu fiz o meu
trabalho de casa. Durante quatro anos! Poderia até, como já referi, escrever
uma dissertação sobre o assunto. Se eu “queimei muitas pestanas” sobre o
assunto, porque razão, daria eu de livre vontade todo este meu conhecimento? É
que se existe alguém que sabe o valor desse meu conhecimento, esse alguém, sou
eu. Foram meses da minha vida, e que agora me sugerem que resuma num documento
de algumas páginas…
3. Algo que aprendemos, nós
os que procuraram meses a fio por uma oportunidade de trabalho no estrangeiro,
está relacionado com o facto de como o mundo é pequeno. Neste campo, o segredo
continua a ser a alma do negócio. Qualquer oferta de trabalho que surgisse, era
guardada e estudada em segredo, sendo partilhada apenas quando se sabia do
resultado de uma entrevista: “Consegui o tal trabalho!” ou “Epá, não fiquei com
o trabalho…”. É guerra. Porque para além de estarmos a concorrer com
conterrâneos (portugueses), concorremos também com os nativos que possuem uma
grande vantagem: falam a língua do país.
Se é guerra, porque hei-de eu entregar armas valiosas, a
quem no futuro poderá roubar-me uma oportunidade de trabalho?
4. Posso dizer que agora,
quatro anos depois de chegar à Alemanha e estar a trabalhar na segunda maior
produtora de energia alemã, num dos projectos mais inovadores da actualidade no
sector da energia eólica em mar, o desemprego não me assusta. Porque sei que
possuo todas as armas para voltar à luta e conseguir um trabalho. Mas repito,
quatro anos depois. Quatro anos de aprendizagem de uma nova língua e de uma
nova cultura. Quatro anos de trabalhos com contractos precários e de
insegurança financeira.
Eu fiz o meu trabalho de casa durante quatro anos. Uma
coisa é a OE interessar-se por testemunhos de emigrantes sobre a sua vivência
num país estrangeiro, com o objectivo de alertar para problemas que poderão, os
que pretendem emigrar, ter de vir a enfrentar. Outra coisa, totalmente
diferente, é a OE querer obter (sem grande esforço) informação (processo de
recrutamento, candidatura, contactos) que pode facilmente encontrar nos meios
livres de comunicação de hoje em dia: a Internet.
Parece-me que a OE não se apercebeu do “quanto” está a
pedir aos seus membros.
Relativamente aos pontos referidos no E-mail da OE, aqui
ficam algumas questões:
“Informações úteis sobre o reconhecimento da profissão no
País em que se encontra” – Tratado de Bolonha? Não houve na altura qualquer
contacto ou discussão sobre o assunto entre as universidades e as ordens?
"Contactos para criação de uma rede internacional de
Engenheiros Portugueses" – O que não faltam são redes de contactos na Internet:
Xing, LinkedIn, The Star Tracker, etc. Querem criar mais uma? Porque não
desenvolver protocolos com as já existentes?
"Disponibilização de contactos importantes na
internacionalização no País" – Mas, não existem já entidades responsáveis e
pagas para tal? Ministério da Economia e do Emprego, Ministério dos Negócios
Estrangeiros, Ministério da Educação?
Mas não se pense que deixarei de colaborar neste
projecto. Em seguida deixo alguns comentários e respectivas sugestões que
poderão ser úteis à OE, de modo a auxiliar melhor os nossos colegas que
pretendam sair de Portugal em busca de uma vida profissional melhor:
* A inadequabilidade da
documentação fornecida pela OE, para efeitos de candidatura a uma oferta de
trabalho, num país estrangeiro. Cada país tem a sua forma de execução de
documentação (declarações e certificados). Num país como a Alemanha, um
documento deve ser de fácil e compreensível leitura, e para isso deve
apresentar um texto que não exceda três parágrafos, devendo os próprios
parágrafos ser curtos. Sugiro, por isso, que na Declaração de Membro Efectivo
da OE em inglês, como se encontra redigido actualmente, os segundo e quinto
parágrafos sejam eliminados, e que os restantes sejam mais curtos, evitando o
palavreado normal e aceite em Portugal, mas de difícil leitura e compreensão
num ambiente internacional. Não são os outros países que se têm de adaptar a
nós, somos nós (devido à conjuntura actual financeira do país) que nos temos de
adaptar aos outros países, tornando a nossa documentação o mais simples possível
de compreender.
* A adequada apresentação
dos documentos (referente ao ponto anterior) não se restringe apenas aos da OE.
Documentos de outras entidades como escolas secundárias, universidades,
entidades de formação, etc., são igualmente vitais para uma candidatura a um
emprego no estrangeiro. Sugiro que a OE sirva de elo de ligação entre estas
entidades e o mercado de trabalho internacional, tomando a iniciativa de
liderar o processo de regularização da apresentação em inglês da documentação fornecida
por essas entidades. Entendo por regularização da apresentação da documentação
em inglês, uma lista de regras a seguir: parágrafos sucintos e claros na sua
mensagem. O primeiro passo seria entender como os outros países o fazem e
encontrar um formato adaptado que seja geral e adequado para qualquer país.
* Quotas anuais. Há cinco
anos que saí de Portugal. Há cinco anos que pago as quotas da OE. Embora ache a
Ingenium uma revista de grande qualidade (obrigada à OE por ma enviar para
Alemanha sem me cobrar portes de envio extra por eu me encontrar fora de
Portugal!), penso que 120€ anuais pela recepção de uma revista mensal é um
pouco exagerada. Sugiro, por isso, uma redução do valor das quotas anuais para
emigrantes, já que não usufruímos de quaisquer outros privilégios ou serviços
da OE. Aproveito para sugerir um valor simbólico de quotas (5 € anuais) para
quem se encontrar desempregado (1).
* O tal trabalho de casa
que nós, os emigrantes, tiveram de fazer durante meses, poderá ser igualmente
feito pela OE. Existindo um grande número de engenheiros desempregados em
Portugal, sugiro que a OE contrate (por concurso aberto a todos!) dois
engenheiros para executarem tal pesquisa e recolha de informação. Sugiro dois,
pois para além de ser recolhida, a informação tem de ser analisada e adequada
às exigências do mercado internacional de trabalho de cada país (para além de
que, “duas cabeças sempre pensam melhor que uma”). Tenho a certeza que a tarefa
desempenhada por esses dois engenheiros será de forma motivada, inovativa,
competente e dedicada. Basta escolher os candidatos certos.
Relativamente ainda aos quatro pontos iniciais (de
1. ao 4.), gostaria de mencionar que, felizmente, nem todos pensamos da mesma
maneira, como podem verificar no seguinte endereço electrónico: http://dicastrabalhoalemanha.blogspot.de/
A ideia de auxiliar e inspirar outros a tomarem a decisão
de arriscarem em busca de uma vida profissional melhor, não é nova e muito
menos reservada à OE. Nós, emigrantes, temos sido bombardeados com propostas
para participar em programas televisivos, jornais e revistas, e até livros /
guias para portugueses que queiram sair do país. Mas antes de todas estas
entidades nos contactarem, muitos de nós já tinham tomado a mesma iniciativa há
uns anos atrás, partilhando a sua experiência na Internet. O endereço
electrónico acima refere-se ao blogue “Dicas sobre trabalho na Alemanha” e é da
minha autoria. Pode e deve a OE usá-lo como fonte de informação, porém é
expressamente interdita qualquer cópia, reprodução, difusão ou transmissão,
utilização, modificação, venda, publicação, distribuição ou qualquer outro uso,
total ou parcial, comercial ou não comercial, quaisquer que sejam os meios
utilizados, salvo com a minha autorização.
Cordialmente,
Ana"
(1) Quando redigi a resposta desconhecia que existe
isenção de pagamento de cotas para quem está desempregado.
Só faltava pedirem-nos directamente para colocar mais engenheiros portugueses nos nossos empregadores cá. Grande lata que têm.
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