Chegada
a casa, depois do nosso lanche, S., corri para o Lendas e Legendas em busca
de um texto escrito por mim, em Junho de 2009. O tempo passa e é verdade
que nos esquecemos de momentos menos bons da nossa vida. Mas penso que
faz parte do ser humano, esquecer, como mecanismo de defesa...
E para isso servem os blogues. Para deixar guardado, algures, os momentos que não podemos esquecer. Pelo menos o meu, para mim :)
E o texto é para ti, S.:
"Foi neste livro que encontrei por escrito sensações e sentimentos em
relação à língua alemã. Quer dizer, não é propriamente em relação ao
alemão, em si... Agora o entendo. É em relação a qualquer língua que não
se saiba, não se domine.
Emmanuelle escreve:
"As pessoas dizem-me: "Fala, fala, nós compreendemos", mas de momento sei que não é assim, a não ser no seio da família."
"À
saída sentimos uma exigente necessidade de recuperar. A necessidade de
estarmos juntos, de falar entre nós. De recuperar não só tempo perdido
durante o dia com os que ouvem, mas a nossa língua, a nossa identidade."
"Não
precisar de me estafar na tentativa de falar oralmente. Reencontrar as
mãos, o à-vontade, os gestos que voam, que falam sem esforço, sem
constrangimento. Os movimentos do corpo, a expressão dos olhos, que
falam. De súbito desaparecem as frustrações."
É isto mesmo! A
comunicação é o veículo para a integração de alguém em qualquer
ambiente. Tanta vez senti isto e nunca o soube "escrever". Diziam-me: "o
teu problema é que em casa falas português..."; "ah... o teu problema é
que não te esforças...".
Por tantas vezes queria simplesmente
engoli-los, os que me diziam coisas destas! O problema... Para quem
desde o primeiro dia que pôs os pés nesta terra ainda não parou de ter
aulas de alemão, para quem deixa de falar em inglês com quem também o
fala para poder treinar o alemão, para quem acha a língua alemã
desagradável ao ouvido, para quem foi obrigado a aprender a língua para
poder abrir algumas portas na sua vida, para quem escolheu engenharia
porque não tinha jeito para línguas, é... Simplesmente sentir que é uma
barreira, o não conseguir-se comunicar para voltar a estabelecer laços
afectivos, de que tanto precisa, para viver como ser humano.
Mas isto, essa fase da minha vida, agora já passou! ;)
Emmanuelle
é surda. E ao ler o seu livro percebi o significado de se ser surdo.
Emmanuelle explica: "O termo "surda-muda" continua a espantar-me. Mudo
significa que não se tem o dom da palavra. As pessoas vêem-me como
alguém que não utiliza a palavra. É absurdo! Eu uso. Tanto com as mãos
como com a boca. Faço gestos e falo francês. Utilizar a língua gestual
não significa que se seja mudo. Posso falar, gritar, rir, chorar, são
sons que me saem da garganta. Não me cortaram a língua! Tenho uma voz
esquisita, mais nada."
Comunicação.
Os surdos, simplesmente são
bilíngues (aqueles que tem a sorte de aprender as duas línguas): a
língua gestual que utilizam para comunicar sem sons, e a língua do país
onde nasceram para poderem ler e escrever. São fantásticos! Eu considero
que falo bem inglês. Mas não posso dizer que sou bilíngue!
O livro é
delicioso de se ler. Dá-nos uma noção do que é ter-se nascido surdo e
que obstáculos têm de ultrapassar no "nosso mundo", o mundo dos
ouvintes."
(Eu in Lendas e Legendas, 07/06/2099)
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