quinta-feira, 19 de março de 2009

E assim vai o mundo


Estava eu sentadinha a fazer a viagem de suburbano, entre o meu local de trabalho e a estação principal quando um casal sul americano se senta no conjunto de 4 bancos onde eu estava. Costumo viajar sempre à janela para apreciar a paisagem. O casal, sentou-se frente a frente, ele ao meu lado e ela à minha frente. O senhor levantou-se para ir verificar na planta da rede de comboios colada por cima da porta de saída, provavelmente a estação em que deveriam sair. Nisto, chegados a uma das estações intermédias, entram passageiros e um deles, de origem africana (de pele escura),tenta sentar-se ao lado da rapariga sul americana. Reparo que a rapariga ao mesmo tempo que lança os olhos bem abertos ao senhor, lança também a sua carteira para marcar o lugar para o marido, e no seu alemão atrapalhado tenta dizer: "este lugar é do meu marido!". O senhor de origem africana olha para ela com cara de quem não percebeu o que ela disse, volta a tentar sentar-se no dito lugar, empurrando a carteira para o lado. A rapariga continua a refilar com ele mas desta vez em espanhol. O senhor educadamente lá ia perguntando, num alemão igualmente cambalhotante, "qual é o seu problema, senhora?".
Nisto, a Ana pensa: "ainda vai sobrar para mim!". E sobrou.
A rapariga põe-se a chamar pelo marido, começa a explicar ao marido a sua versão da história (e a Ana a perceber tudinho em espanhol) quando atira para a conversa "e esta que está sentada aqui à minha frente não disse nada!!!!". Bem, já estão a ver a cena: a Ana a corar e a nada dizer... Por fim, lá fomos sentadinhos, cada um no seu lugar, e o marido da senhora a dizer-lhe que o tal senhor não deve ter feito por mal.
É uma gaita isto de se ser imigrante, deixem-me que vos diga. Numa cidade onde existe tanta mescla de nacionalidades, culturas, a última coisa que eu quero é entrar em discussão com quem quer que seja.
Eu passo a explicar a MINHA versão da história: a sul americana, ao seu jeito explosivo queria guardar lugar para o seu marido. Como normalmente faz no país dela, lança a carteira para guardar lugar e ainda espera compreensão e apoio dos que viram a cena; o senhor de origem africana ao pensar que estava, mais uma vez, numa situação de descriminação por ter pele escura, quis dar a entender que se está num país livre e onde o racismo já não tem lugar, e cada um tem direito a sentar-se onde bem entende. Educadamente ainda tentou comunicar com ela, mas de nada serviu. Ele sentou-se e o racismo perdeu.
A sul americana foi para casa a pensar "raios partam os pretos!" e o de origem africana foi para casa a pensar "raios partam os brancos!" :)
E eu fui o caminho todo a pensar que durante este tempo em que vivo em Hamburgo ainda não consegui perceber onde está a fronteira entre o "intervir / não intervir". E cheguei à conclusão que assim vai o mundo: cada um a falar a sua língua, cada um a sentir-se incompreendido, cada um com as costas voltadas para o outro.
Não teria servido de nada eu explicar ao senhor em alemão o que aconteceu, nem explicar à senhora em espanhol o que aconteceu, porque nenhum me iria ouvir, pois naquele instante, o importante é o que cada um queria ouvir.
E assim vai o mundo.

(a foto tirei daqui)

2 comentários:

  1. Às vezes é difícil definir os limites da intervenção e da não-intervenção em determinada situação. Só para não parar de rimar digo: é uma questão de intuição!

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  2. Intuição e "cagufa" de me meter em sarilhos :D
    E olha que ela dava bem conta de mim... O que não é, logo à partida, difícil!

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